As pessoas estão cada vez mais se espetando umas as outras. A verdade é que cada qual só quer saber de sí.
O porco-espinho é um bicho meio repulsivo. Ninguém quer chegar perto dele, pois é capaz de atirar suas farpas em quem se aproxima. Aliás, fico imaginando como dois porcos-espinhos podem ficar juntos. Creio que esse animalzinho é a figura que melhor pode ilustrar a sociedade contemporânea. As pessoas estão cada vez mais se espetando umas às outras. Trata-se de senso de preservação, dizem alguns – afinal, estamos num mundo cão e o homem é o lobo do homem. Mas a verdade é que cada qual só quer saber de si. Talvez seja por isso que os estudiosos falem tanto em que hoje não existe uma grande narrativa para que cada um possa pensar do seu próprio jeito.
No segmento cristão, parece que estamos caminhando para um grande vazio, ainda que com os bolsos repletos de tecnologia e sofisticações. Cada crente é estimulado a voltar-se para si mesmo e buscar a sua própria significação da vida. Caímos numa ausência de solidariedade, um vazio de perspectivas, um marasmo de conteúdos. Corremos atrás de uma vida eclesiástica ocupada, sem tempo para reflexão sobre o próprio sentido do cristianismo. Perdemos a percepção de como podemos ser úteis para a construção de um mundo habitável.
Até mesmo nós, os crentes, temos no tornado como porcos-espinhos. Já não conseguimos conviver sem que nos espetemos mutuamente. O narcisismo deste século 21está atingindo a Igreja em cheio. Cada um quer construir um deus que se encaixe em suas próprias necessidades. O outro? Ora, que importa o outro? Será que Feuerbach tinha razão ao dizer que “Deus é a projeção das angústias humanas”?
Creio que até o reviver da teologia dos dons de serviços tenha contribuído em parte para isso. Agora, ninguém tem de se submeter à liderança da igreja, pois se o Senhor deu os dons, basta ouvir as “revelações” de Deus e seguir adiante, ainda que isso implique em distúrbio na congregação. Afinal, importa mais obedecer a Deus do que a homens – e há até quem invoque a justificativa bíblica para fazer o que bem quer. E lá se vão as ovelhas espetando os pastores, os pastores espetando as ovelhas e as próprias ovelhas espetando-se umas às outras.
Após o culto, cada um segue o seu caminho. E aí, na segunda-feira, é fé em Deus e pé na tábua. Crentes porco-espinho não têm tempo nem interesse para perguntar o que podem fazer pelo irmão; não se preocupam em como ele vai passar a semana, se vai ter suprimento em casa ou se pode fazer algo para melhorar a vida daquele que senta em seu lado no banco da igreja.
São infelizes, os crentes porco-espinho. Não sabem que podem mudar tudo à sua volta – basta olhar para fora de si, enxergar o outro, escolhendo, por exemplo, uma pessoa pela qual se preocupar durante a semana, ou pelo menos até o próximo culto.
Lourenço Stelio Rega
é teologo, educador e escritor.
Fonte: revista eclésia edição N° 113
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